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26/02/2013

A tarja preta para criança

Já tem tempo que essa discussão rola, né mesmo. Hoje em dia, as pessoas têm acesso a informação  e podem discutir, ler; melhor, questionar a indicação médica. O que eu quero discutir é especificamente sobre o transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade. Tenho visto por aí, o pessoal dizer que criança com TDAH hoje, era a criança danada de antigamente. Que dar medicação tarja preta para criança é loucura e tal. A minha pergunta é a seguinte: se o seu filho é diagnosticado com epilepsia e o NEUROLOGISTA passa a medicação tarja preta para controle dos episódios. Aí né, tudo bem, nesse caso tarja preta pode. Agora, se é tdah, o PSIQUIATRA não pode prescrever de jeito nenhum. Porque na verdade, meu filho não tem nada, ele é danado e só.Un-hum! Olha só, eu sou psicóloga e medicação para mim seria a última escolha, mas o meu questionamento é porque quando os sintomas são visíveis a medicação está liberada e quando é algo psiquiatrico/psicológico é terminantemente proibido?

Quem já viu uma criança com TDAH na escola? Pois é, eu já vi algumas. Quem já conseguiu conversar com uma criança com esse diagnóstico e parou para escutar de verdade o sofrimento que ela passa? Quem? Crianças de 8 anos com uma carga de sofrimento gigantesca por conta de uma simples medicação. De se acharem incopetentes porque não conseguem aprender. E elas não aprendem porque têm algum déficit cognitivo ou algo do tipo, essas crianças são bem inteligentes, porém para a gente aprender precisa de atenção, que é a entrada das informações. Olha só, tem um montão de estudo mostrando o desenvolvimento diferenciado do córtex frontal desses pequenos e o auxílio da medicação nesses casos.

Eu não tenho filho, mas se o médico me desse esse diagnóstico eu iria correr atrás de um diagnóstico diferencial com neuropsicólogo e pedagogo. Esses profissionais mapeiam as respostas dos pequenos e fica muito mais fácil o tratamento e outros fatores ligados ao diagnóstico. Eu iria primeiro tentar o tratamento neurospicológico e pedagógico, tomar medidas em relação ao ambiente escolar (tem um montão de estudos mostrando que essas crianças se beneficiam de mudanças bobas na escola), mas se apesar disso, a medicação fosse ajudar, porquê não? Porque para gente é mais fácil lidar com sintomas físicos do que com os sintomas psiquicos. A gente precisa ver, né verdade?

Olha, os médicos levam anos estudando para ver um problema, rotular diagnosticar e tratar. O tratamento que eles foram treinados e se habilitaram é o medicamentoso, mas não é o único, tem muita coisa por aí. Eu via lá em Salvador, que  ALGUNS médicos atendiam a criança em 20 minutos e já dava o diagnóstico. A pessoa já saia com a receita do remédio (e eu nem vou entrar no aspecto relacionado as grandes empresas farmacêuticas). Mas quando eu fazia o diagnóstico diferencial, eu ia na escola algumas vezes, conversava com os professores, observava as aulas, conversava com os pais, com a criança, brincava com a criança, aplicava testes também. E isso levava algum tempo. Muitas crianças precisavam de acompanhamento psicológico mais do que neuropsicólogico, sabe. As vezes eu não concordava com o médico e quando ele era acessível, a gente sentava e discutia, mas isso não é regra. Como a criança não consegue verbalizar muito o que sente, o comportamento é o código para o que ela está passando. É de partir o coração o discurso de muitas crianças. Os pais que não entendem como o filho se prende em horas concentrados no video-game e não conseguem fazer a atividade de matemática. Eu acho que o TDAH é ainda mais complexo  do que tarja preta ou não.

Bom, a minha universidade estava muito voltada a psicanálise, então diagnosticar ou rotular mesmo era praticamente um crime. Eu sempre achei isso estranho, se você não sabe o nome do seu inimigo, como você vai combatê-lo. Pensa aí, se alguém tem depressão, mas acha que é só uma tristeza boba, como ela vai notar os sintomas que começam a chegar com a falta de sono ou a hipersonia, por exemplo, e se preparar para quem sabe, evitar a dita cuja de se instalar e se sentir a vontade. Porque eu espero que você aí que está lendo isso não acredite que depressão é falta de força de vontade, porque seria simplificar demais algo desse porte.

E por fim, eu queria discutir essa falta de conhecimento das doenças. Eu fui diagnosticada com dislexia no curso de especialização. Quer dizer, lá eu comecei a me encaixar em tudo (o que é normal para qualquer aluno da área de saúde), fui ao neuro (um bom neuro!), depois ao fono e psicopedagoga e pronto. Assim, sempre fui excelente aluna, mas se meus professores soubessem sobre isso, talvez eu tivesse menos dificuldades hoje. Qualquer caderno meu grita que sou disléxica e isso é até hoje. O meu caso é um caso clássico dos livros de medicina. Fui diagnosticada com mista, tipo os meus erros clássicos: escrever faca no lugar de vaca, duto ao invés de tudo e claro, para mim o som de b e p são iguais, eu não vejo nenhuma diferença entre eles. Nenhuma! Veja que esses erros não são nada comuns (pelo menos não todos juntos) em pessoas na minha idade e com a minha escolaridade. Os erros são devidos a minha falta de habilidade de diferenciar os sons parecidos e esse processo ocorre no cérebro. Aqui nos EUA, o som do m e do n no final das sílabas também acabam comigo. Como em Salvador quando isso acontece o som fica nasalado de qualquer jeito, não tinha dificuldade, mas aqui é bem diferente. Eu entendi gum quando o vendedor fez uma piadinha com gun. Não foi legal. Quando eu recebi o diagnóstico foi um alívio porque eu entendia o que eu tinha e sabia o que poderia fazer. Sim, a dislexia é mista porque eu tenho um comprometimento espacial especial :). Direita e esquerda é algo engraçado. Tem gente que fala  "usa um relógio na mão esquerda", eu usei e não adiantava, não é algo simplório que se resolve com relógio no braço, minha gente. Depois, conhecendo melhor o assunto, eu sei que minha lateralização é prejudicada e eu vou precisar de alguns segundos a mais que você para definir direita e esquerda (e se for em inglês que primeiro eu traduzo no meu juízo, depois penso qual é lado? Sentiu o meu drama para tirar a carteira de motorista aqui?). Fazer baliza é algo muito difícil. Na minha lista de 30 coisas para fazer antes dos 30, uma delas é aprender a fazer baliza. Tenho tentado, tenho conseguido. Mas o processo é mais longo e requer muita paciência. Aqui nos EUA, eu simplesmente me atrapalho com os termos de direção: Top, bottom, above, below. Eu paro para pensar o que eles significam. Em português não preciso de tempo nessas palavras, porque criei outras estratégias para chegar no significado ao longo da vida. Ah, e quando eu quero usar uma palavra específica, consigo ver o desenho da palavra borrada no meu juízo, vejo a letra que começa e tudo, mas não consigo falar a coitada. Essa sensação de não falar a palavra que está na ponta da língua é muito constante no meu dia a dia. Normalmente eu consigo caracterizar, descrever a palavra, e preciso de ajuda dos universitários para lembrar. Pensa como não é em inglês.

Esse post gigante foi só para a gente pensar mesmo.

2 comentários:

  1. Gostei dos assuntos que voce abordou, sobre essa facilidade que alguns medicos tem em diagnosticar certas doencas em criancas e tacar remedio sem um estudo ou acompanhamento mais profundo. Realmente seu post faz a gente parar e pensar.
    Beijinhos

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  2. "Tenho tentado, tenho conseguido."
    Essa foi a minha frase preferida do post.
    Bjs!

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